BRIGA

 

 

Era o dia primeiro de agosto de 1981 em São Miguel do Oeste.

Eu trabalhava no Banco do brasil e era supervisor do Setor de Atendimento, com uma bateria de 19 caixas executivos na agência daquela cidade.

Era dia de vencimento dos contratos agrícolas e o espaço destinado aos clientes que queriam pagar suas contas estava abarrotado de agricultores.

Todos os funcionários da agência estavam ocupadíssimos, sem tempo sequer para respirar.

Os telefones não paravam de tocar.

Meu assistente de supervisão, Lauri,  estava a dar conta de uma pilha de fichas gráficas de depósitos, fazendo a conferência dos cheques lançados na P600, a última palavra, então, em mecanização. Os lançamentos eram feitos um a um, manualmente e os dados tinham que ser conferidos. Era o que Lauri, ao mesmo tempo que atendia a inúmeras solicitações dos caixas, estava a fazer.

Eu, como supervisor, tinha que resolver todos os problemas que surgiam, e eram muitos, autorizar pagamentos acima do limite permitido aos caixas, atender telefonemas de clientes e mais, não sei, quantas outras pendengas.

Um dos três telefones sobre sua mesa tocou, estridente.

Atendi.

Era uma mulher querendo saber o saldo da conta do marido.

Acendeu-se em minha mente uma luzinha vermelha: Epa! Cuidado! Não se pode dar informações por telefone a pessoas que não se conhece muito bem.

- Minha senhora -  disse eu -  infelizmente não posso lhe dar essa informação por telefone, pois não a conheço, não identifico sua voz e é absolutamente proibido por lei dar informações sobre as contas de qualquer cliente.

- Vocês são todos uns merdas! – vociferou do outro lado da linha.

- Infelizmente é assim. Não posso lhe dar a informação.

Mas eu preciso saber o saldo da conta do meu marido para pagar as contas que ele deixou aqui para eu pagar. Você tem que dar um jeito.

- Olha, se a senhora me disser o nome da algum funcionário aqui da agência que a conhece bem, eu posso tentar ver se ele a identifica pela voz...

- Não conheço ninguém, mas quero o saldo, Quero  porque quero!

- Minha senhora, vamos fazer o seguinte: a Senhora liga para o número do gerente da agência e ele vai procurar atender a senhora. Dei-lhe o número.

- O quê?! Falar com aquele boçal metido a comilão? Nem morta! Aquilo não pode ver mulher que já pensa que pode comer!

- Bom, minha senhora, eu estava apenas tentando atender â sua solicitação da melhor forma possível, mas já que não há meio de fazê-lo, a senhora vai me permitir que eu desligue este telefone, pois tenho muito mais coisas a fazer.

- Quem vai desligar, sou eu, seu babaca!

E desligou na minha cara.

Melhor, pois não tive que cometer a grosseria com ela.

Continuei minha rotina.

Uma hora depois, o telefone chamou novamente.

- Alô, aqui quem fala é o marido da mulher que queria saber o saldo da minha conta. Você, seu bosta, não atendeu a minha mulher. Quem você pensa que é?

- Quem está falando?

- Não interessa quem está falando. Interessa é ouvir que vocês do Banco do Brasil são todos uns merdas metidos a importantes. Custava informar o saldo da minha conta? Custava?

- Isto é proibido por lei. Não podemos informar o saldo de qualquer conta a terceiros.

- Frescura! Pura frescura de vocês. Eu deveria ir até aí e partir a sua cara!

Irritei-me:

- Olha, meu amigo, você é muito valente, mas é por telefone!

E desliguei o telefone na cara dele.

Continuei meu trabalho.

Uma meia hora depois, ouvi por sobre o vozerio:

- Quem é o chefe aqui, que eu quero quebrar a cara dele?.

Olhei para o lado e vi um grandalhão, tipo armário, rosto vermelho, barriga avantajada e olhar furibundo.

Perguntei ao Lauri ao meu lado:

- Quem é esse cara?

- E o cidadão a quem você desligou o telefone na cara, ainda há pouco.

- Xiii, tô fundido!

Rapidamente peguei uma caneta sobre a escrivaninha, coloquei-a entre o indicador e o dedo médio da minha fechada, com a ponta para a frente apoiada na palma da minha mão.

Pensei:

- Se esse cara levantar a mão para me bater, eu lhe enfio essa caneta na barriga.

Levantei-me resoluto e fui para cima dele, dedo da mão esquerda em riste, apontando para o seu nariz:

Quer bater, quer? Então, bate!

A mão direita abaixada junto a coxa estava preparada para golpear.

Mas o valentão afrouxou:

- Não, falou mansinho, é que a minha mulher queria saber o meu saldo da conta de depósitos, mas até foi bom que o senhor não a informou.

O Gerente adjunto, que tremia como varas verdes (nunca vi vara verde alguma tremer, nem se mexer), entrou na conversa, apaziguando as coisas.

Ficamos amigos aí mesmo e a tudo acabou em nada.

Uma típica briga gaúcha: muito papo furado e pouca ação.

Passaram-se alguns anos. Eu estava trabalhando na Agência Centro do Banco do Brasil em Florianópolis. Enquanto aguardava o início do expediente, conversava com um amigo, quando apareceu o Valter, protagonista da briga em São Miguel do Oeste.

Cumprimentamo-nos cordialmente, apresentei-o ao meu amigo e ficamos conversando amenidades.

Foi então que me lembrei de fazer uma pergunta que me intrigava por todos aqueles anos:

- Valter, me diz uma coisa. Lembras daquela nossa briga lá em São Miguel do Oeste?

- Lembro, claro que lembro.

- Me diz uma coisa: O que foi que fez com que você desistisse de me bater? Você parecia tão disposto a fazer isso.

- Ah! Nem te conto. Quando eu cheguei, fiquei na plataforma do gerente-adjunto e olhei para você, sentado atrás da bateria de caixas, em uma cadeira baixa. Você estava inclinado sobre os papeis e me pareceu que era de pequena estatura. Quando você levantou, não parou mais de levantar homem e eu fiquei foi com medo de você. O jeito foi te levar pra compadre.

E deu uma enorme gargalhada.

Mesmo agora, já velhos, continuamos amigos.