A COBRANÇA

 

 

Gringo era o apelido de um dos fiscais da Carteira de Crédito Rural do Banco do Brasil, agência de São Joaquim, na década de 70.

Além de suas obrigações rotineiras de verificar a correta aplicação dos créditos deferidos aos agricultores, não raro eram-lhe acometidas as responsabilidades de cobrar créditos atrasados, promover negociações com vistas a prorrogações dos créditos, obter meios de conseguir a liquidação dos mútuos, etc...

Em Santa Terezinha, município de Urubici, um pequeno agricultor, de nome Joaquim, vinha passando por sérias dificuldades.

Adquirira com um financiamento do Banco do Brasil, uma junta de bois carreiros, para utilização em suas lavouras de milho, tomate, cenouras e repolho. O prazo para pagamento fora estipulado em 3 anos, em 3 prestações anuais iguais, com juros de 12% a.a.

Mas Joaquim era bastante desorganizado e pouco trabalhador. Gostava mais de tomar uma cachaça no bar do Nonóca, na Esquina, que de trabalhar em sua lavoura.

Daí o resultado negativo: pouca produção; dificuldades normais de comercialização; dívidas com o armazém local; doenças em casa; pagamento de juros a agiotas, que, naquele tempo não eram os banqueiros e os bancos, como hoje em dia, fizeram com que Joaquim, em anos sucessivos não fizesse o pagamento de suas prestações junto ao Banco do Brasil.

Inúmeras tentativas de obter o pagamento tinham sido inúteis.

Joaquim vivia acossado pelos cobradores, dentre eles os fiscais do Banco do Brasil.

Um dia nublado de inverno, o gerente da agência chamou Gringo e foi categórico:

- Gringo, vai lá em Urubici e não volta sem cobrar o Joaquim. Dá um jeito! Vende os bois financiados, alguma vaca, a casa, o diabo... a mulher dele... mas não volta sem o dinheiro para pagar!

- Tá bom! Mas não vai ser fácil. O homem está mal das pernas. - Retrucou Gringo.

- Não quero nem saber. Vai lá e cobra!

Gringo foi.

O dia estava frio e chuviscava muito. Já passava do meio-dia, quando Gringo saiu de São Joaquim. Levou junto com ele a esposa, Helena, para lhe fazer companhia e, eventualmente, para lhe dar coragem.

É que Joaquim era meio brabo e não era muito fácil lidar com ele. A sua reação à cobrança, geralmente era violenta. Gringo já experimentara essa reação, por isso não foi sem um certo medo que foi falar com Joaquim, ao lado da oficina do Zezo, na Esquina.

Joaquim estava preparando um cigarro de palha e cortava o fumo com uma "prateada", faca de aço inoxidável, com cabo e bainha de prata, de uns 20 centímetros.

Gringo encostou o fusquinha e desembarcou bem próximo a Joaquim. Helena ficou dentro do carro, pois estava muito frio e garoando.

- Buenas, seu Joaquim. Tudo bem com o senhor? - falou Gringo.

- Tudo bem, seu Fiscal. Tudo bem. Friozinho hoje, não?

- É, tá bastante frio. Como vão as coisas lá por Santa Teresa?

- Tá brabo! Tá brabo!...

Gringo não achava um meio de tocar no assunto da dívida vencida há mais de 2 anos. Rodeou, rodeou, conversou fiado. Deu tratos à bola, coçou a cabeça e arriscou:

- Seu Joaquim, e a prestação do Banco? Vai dar para pagar? O pessoal lá do Banco está insistindo...

- Agora não posso pagar. A safra foi muito ruim. Tive até que vender uma novilha pr'a comprar remédio pr'as crianças. Não dá de pagar, não. O banco vai ter que esperar.

-Mas seu Joaquim, o senhor não está usando os bois que comprou com o financiamento do Banco?

- Estou, sim. Por que? - Botou o peito para fora, abriu o paletó e ostentou um tremendo revólver calibre 38 enfiado na cinta, bem na frente.

Gringo piscou surpreendido.

- Quem sabe a gente acha um comprador para os bois e o senhor paga o banco. Limpa seu crédito e depois, compra outra junta...

- Meus bois não tem quem venda! Não tem homem no mundo pr'a fazer isto! - Gritou Joaquim - abrindo novamente o paletó e exibindo o revolver.

Dentro do fusca, a poucos metros, a mulher de Gringo torcia as mãos nervosa com o possível desfecho do caso.

- Mas seu Joaquim, o senhor não teria outra coisa para vender, alguma novilha, algum terneiro, alguns porcos, sei lá...

- Não tenho nada para vender pr'a pagar o banco. E os bois não tem homem que venda! - voltou a gritar e a exibir o revolver.

Gringo olhava para o trabuco na cinta de Joaquim, com certa ansiedade, a mão direita enfiada no bolso traseiro da calça, por baixo do meco, segurando firmemente um 38 cano curto, pronto para qualquer reação de Joaquim. Foi então que deu-se o estalo na mente de Gringo:

- E o revolver, o senhor vende?

Joaquim surpreendeu-se.

- Ah! o revolver, eu vendo.

- Então vamos vender o revolver e com o dinheiro, o senhor paga o banco. Certo?

- Certo, seu fiscal.

Gringo embarcou no carro, com Joaquim no banco de trás.

Meia hora depois, o revolver estava vendido, Joaquim satisfeito da vida por ver-se livre do fiscal, da dívida e do banco.

E lá se foram para São Joaquim, até a agência do Banco, pagar a dívida.

Recibo na mão, Joaquim satisfeito, deu um tapa nas costa de Gringo:

- O senhor, seu Fiscal é dos "bão" mesmo, arranjou como eu pagar os bois carreiros e, ainda por cima, me tirou a arma. O senhor é dos "bão", vou levar o senhor pr'a compadre.

Bateu nas costas de Gringo mais umas duas vezes, deu adeus de mão calosa estendida e saiu da agência todo feliz.

Galo Velho, chefe da Carteira de Crédito Rural, chegou rindo para Gringo, acompanhado do gerente, ambos satisfeitos e divertidos:

- Isto é coisa de galo velho! Esse Gringo não tem jeito!

Gringo suspirou satisfeito e saiu de mansinho que sua mulher ainda estava dentro do fusca, transida de frio, à sua espera.