O VALENTÃO COVARDE

 

 

Aí pelos idos de 1960, o bar do Nonô, na Esquina, em Urubici era muito freqüentado. Alguns lá iam para jogar sinuca, outros para bater um papo, comer pastel, beber vitamina de chocolate com leite, etc... e ainda outros, para encher a cara. Era um bar onde qualquer pessoa podia entrar, tomar um refrigerante e sair sem ser molestado por quem quer que fosse.

Aliás, Urubici sempre foi uma cidade pacata. Em termos... Às vezes não era... Seus moradores sabiam se impor, quando isto era necessário. Muitas vezes com extrema violência. A época era assim.

Andar com um revolver na cinta era costume. Alguns se diziam nus sem a arma. Uns escondiam a arma, outros a ostentavam, mas sacá-la era muito difícil, a menos que fosse para atirar em algum cachorro louco.

Usar a prateada, faca de 20 cm de lâmina, com cabo e bainha de prata era moda. As pessoas diziam que era uma jóia, não uma arma branca. E era. Ia-se até a bailes com a prateada na cinta e nunca acontecia nada.

A razão era muito simples: todos se respeitavam. E isto não acontecia só em Urubici. Toda a região serrana era assim. As pessoas se respeitavam e, ainda hoje, se respeitam mais que em outros lugares.

Mas faltar ao respeito com alguém, podia ser muito perigoso e surpreendente.

Foi assim que um belo dia, Silvério Mêra, como era conhecido, com fama de violento e que já matara algumas pessoas, segundo se dizia a boca pequena, saiu do lugarejo em que vivia, São Pedro, nas encostas da Serra do Corvo Branco, e foi até a Esquina, fazer algumas compras e tomar uns tragos.

Andava sempre de botas, a barriga caindo por sobre a cinta, trinta e oito e faca na cinta ostensiva e provocadoramente.

Era um sábado à tarde. O comércio estava todo aberto, mas a maioria das pessoas, quase todas agricultores, andava por aí às compras do necessário na loja do seu Didi, no armazém do Fausto ou na loja de calçados do seu Cardoso.

Silvério Mêra chegou falando alto, cumprimentando os conhecidos com um leve toque no chapéu preto de abas largas. Um sorriso nos lábios. Entrou no bar do Nonóca, em frente ao bar do Nonô e pediu um liso de cachaça que emborcou de um só gole. Bateu o copo no balcão e gritou:

– Quanto é?

Pagou e saiu. Atravessou a rua e entrou no bar do Nonô. Chegou-se ao balcão e pediu um copo de cachaça que também foi emborcado de uma só vez. Repetiu a dose.

Olhou para os lados para ver se alguém havia notado sua presença. Ninguém deu sinal de tê-lo percebido.

Numa das mesas estava sentado João Ozol, tomando seu copo de guaraná, já que não consumia bebidas alcoólicas.

Silvério viu-o e provocou.

- Toma um gole comigo, seu João.

– Não, obrigado. Não bebo.

Silvério não gostou da resposta. Gritou:

– Nonô, bota aí um liso de cachaça.

Nonô serviu-o.

Silvério tirou do bolso uma navalha afiada, olhou para João Ozol e começou a mexer a cachaça com a lâmina da navalha. Mexeu, mexeu, mexeu... depois gritou:

– Vem cá, ô russo filho duma puta! Bebe aí que eu estou mandando!

Calmamente João Ozol se levantou da cadeira, foi ate o balcão.

Silvério esboçou um sorriso de satisfação e vitória.

João pegou o copo com a mão esquerda e com a direita, rapidamente sacou de um trinta e oito cano longo e enfiou-o na boca do Silvério.

– Solta a navalha! Solta logo, senão o Joãozinho vai fazer o ferrinho cuspir dentro da tua boa.

A navalha caiu no chão.

Silvério gaguejou, gaguejou, pediu desculpas e caiu fora. Ninguém mais o viu por alguns meses.

João Ozol calmamente continuou tomando seu guaraná, sem comentários e sem sequer se vangloriar com quem quer que seja.

Disse até logo e foi cuidar da vida.

João Ozol era assim: um sábio em corpo de guerreiro.