A PALAVRA "CRITÉRIO"

 

Foi no ano de 1959.

Eu tinha dezesseis anos de idade e nenhum de experiência.

Pobre, não conseguira continuar meus estudos. Uma perspectiva de bolsa de estudos foi por água abaixo quando descobriram que meu pai liderava apenas dois votos: o dele, operário e o da minha mãe, dona de casa.

O jeito era arranjar emprego.

Meu pai apelara para um amigo seu, Alcides Sgrott, que trabalhava no escritório da Usina de Açúcar Tijucas, em São João Batista, que, por sua vez, falou com o João Ramos, que falou com o Dr. César, dono da empresa, que me deu o emprego.

Naquele dia primeiro de junho, às oito horas, eu estava firme na porta do escritório. Entrei e me mandaram sentar em frente a uma pequena mesa, com u'a máquina de escrever.

A chefe do escritório, Dona Zulma, quarentona que ostentava na face uma morisqueta permanente como se estivesse sentindo algum desagradável odor, (mais tarde descobri que seu apelido, citado a boca pequena era "Peidaro-por-aí") deu-me uma folha de papel e decretou:

- Escreva uma carta, pedindo o emprego, e responda aos seguintes quesitos:

Entregou-me outra folha contendo uma lista de perguntas.

Fui escrevendo a carta da única maneira que sabia, sem qualquer padrão comercial. Deve ter sido do tipo "lanço a mão na pena para escrever estas mal traçadas linhas...".

Estava ainda no começo da carta, quando o "seu" Alcides passou por mim, tocou-me o ombro e sussurrou ao meu ouvido:

- O salário, deixa a critério...

Fiz que sim com a cabeça e ele foi adiante.

Eu estava aturdido com a palavra "critério" , cujo significado não comparecia à minha mente.

Na hora de responder quanto eu queria ganhar por mês, respondi: Cr$ 2.000,00. Deveria ter respondido que deixava o salário a critério da empresa.

O "seu" Alcides sabia que o Dr. César havia mandado me pagarem um salário mensal de Cr$ 4.000,00, daí seu interesse em que eu não informasse a cifra. Mas eu não sabia as duas coisas: que me tinha sido destinado um salário com o dobro do valor que eu pedira e não sabia o que significava a palavra critério.

Possuo comigo até hoje uma cópia da Ficha de Registro de Empregados da Empresa, em que ainda se nota a rasura de Cr$ 4.000,00 para Cr$ 2.000,00.

Não teve choro. Passei um ano ganhando dois mil cruzeiros.

Foi o preço que paguei pelo aprendizado do significado da palavra "critério".

Sei até hoje.