CRIANÇA FELIZ

Adotar uma criança esteve sempre nos projetos da minha vida. Por questões de formação e princípios. Helena, também partilhava destes princípios.

Eu sempre achei que se cada um fizesse a sua pequena parte, (como aquele beija-flor que combatia o incêndio na floresta enchendo seu bico com água do rio e derramando-a sobre as chamas, apesar de ridicularizado pelos outros animais) – não haveriam crianças abandonadas e teríamos menos vergonha de nós como Nação.

Em 1979, com meus dois filhos gêmeos já com onze anos feitos, tratamos de pôr essa idéia em prática.

Como morávamos no interior, começamos por procurar nos hospitais que, também, serviam de maternidade. Falamos com médicos, enfermeiras, parteiras, amigos e colegas de trabalho.

No final de 1979 nos mudamos para São Miguel do Oeste(SC), cidade hospitaleira, de povo simples e cultivador das boas tradições e dos bons costumes. Fizemos amizades sólidas, angariamos simpatias e continuamos lutando pelo que idealizáramos.

Recebemos algumas ofertas de crianças destinadas à adoção, de Chapecó, cidade a 160 km, todas portadoras de doenças graves e irreversíveis. Sofremos muito com isso: de um lado o remorso de não darmos oportunidade a quem era mais que infeliz e de outro o medo de que nossa atitude redundasse em vibração negativa. Foi uma luta insana e desgastante. Quase desistimos da adoção, pois queríamos uma criança para adoção, não um problema de difícil solução. Não nos sentíamos em condições de enfrentar as dificuldades inerentes à adoção de uma criança com sérios problemas.

Aconselhados por amigos, decidimos ser egoístas e resolvemos adotar uma criança sadia, do sexo feminino, já que tínhamos dois filhos homens.

Finalmente em junho de 1981, recebemos a notícia de que nossa filha nascera, e estava pronta para ser adotada. Fora a mais longa gravidez que eu jamais tive notícia. Finalmente ela chegara. Já tinha até nome, escolhido por nossos dois filhos gêmeos: Francine.

Cumpridos os trâmites legais, fomos finalmente buscá-la num colégio onde estudavam muitas crianças do pré e primário. Umas três mil, segundo soube mais tarde.

Francine lá estava, pequenina e frágil, vestida com umas roupinhas bem simples, bem maiores do que ela. As meias em seus pés eram o dobro do tamanho. Careca e linda, era tudo o que queríamos na vida. Já a amávamos havia muitos anos!

Cheios de desvelos, agasalhamo-la bem, depositamo-la no moisés que leváramos e a colocamos no banco detrás. Helena, sentou-se ao lado dela, toda feliz.

Meu amigo Trilha, que conhecia bem a cidade, sentou-se ao volante do nosso carro e eu no banco do passageiro.

Trilha deu partida no motor e o carro começou a rodar vagarosamente pelo longo pátio do colégio, mas teve que deter-se pois uma multidão de crianças saiu das salas, enfileirou-se nos dois lados da passagem do nosso carro e começou a cantar uma velha canção:

"Criança feliz, que vive a cantar,

alegre embalar seu sonho infantil.

Oh! meu bom Jesus,

que a todos conduz

olhai as crianças do nosso Brasil..."