HERCÍLIO JOSÉ CARMISIN


Dia 12 de maio de 1913, em Pinheiral, antigo município de Tijucas, hoje Major Gercino, em Santa Catarina, nasceu Hercílio. Filho de Carmisin Luigi e Gon Anna Luisa, imigrantes italianos, originais de San Giorgio di Nogaro, província de Údine, na Itália. Foi batizado como Ercilio Giuseppe. Cidadão brasileiro por "jus soli", só foi feito o seu registro civil de nascimento em 1935, em Boiteuxburgo, distrito do município de Tijucas que jurisdicionava a localidade de Pinheiral. Trabalhou na roça desde a mais tenra idade, talvez desde os seis anos, que era assim que se trabalhava naquele tempo e até em tempos bem mais recentes. Mas freqüentou a escola, onde fez o primário da época que ia só até a quarta série. Este foi todo o seu estudo oficial. Porém, continuou aprendendo a vida toda.

Em busca de melhores condições de vida, em 1935 foi trabalhar numa tradicional empresa em Florianópolis e que existe até hoje: André Maykot. Em 1937, estabeleceu-se como pequeno comerciante em Canelinha, localidade entre Tijucas e São João Batista. Na época, conheceu em São João Batista, Paula Sottopietra, também filha de imigrantes italianos de Trento, com quem se casou em 19 de fevereiro de 1938. Não obtendo sucesso como comerciante, voltou para Pinheiral e para a roça, onde permaneceu até o início de 1950, quando conseguiu emprego de carpinteiro numa usina de açúcar em São João Batista. Trabalhou permanentemente nesta empresa de propriedade do atual Grupo Portobello, até 1980. Foi daí que tirou seu sustento e o dos seus onze filhos. Católico fervoroso, freqüentava assiduamente a Igreja e gostava de cantar no Coral.

Sua esposa, Dona Paula, acometida de grave enfermidade, deixou-nos a todos com apenas 48 anos de idade e depois de intenso sofrimento. "Seu" Hercílio ficou só e muito consternado, com oito filhos ainda solteiros, o menor com sete anos. Foram tempos difíceis, superados só depois que se casou novamente com Dona Ana Bertotti, nossa segunda mãe. Seu Hercílio não foi importante para ninguém, exceto para os seus filhos. Mas era muito respeitado por todos os que o conheciam: vizinhos ou companheiros de trabalho e de religião, e mereceu uma referência muito elogiosa, feita em sua ausência, por um dos maiores e melhores empresários catarinenses, Presidente do Grupo Portobello, Dr. César Bastos Gomes, na presença de muitas autoridades presentes à primeira contratação de empréstimo feito pelo Banco do Brasil S.A., através de Programa Especial para a construção de um Centro Social Urbano em Tijucas: ao saber que eu era Carmezini e filho de "seu" Hercílio o empresário afirmou para quem quisesse ouvir (e todos estavam muito atentos): "Hercílio Carmezini, trabalhou muitos anos na minha empresa. Foi o homem mais honesto que conheci. Podia-se-lhe confiar ouro em pó, que retornava até a última centelha!" Eu fiquei sem fala naquela hora e, confesso, até hoje me emociono e me encho de orgulho. Ao contar-lhe, dias mais tarde, o que o Dr.César havia dito a seu respeito, sorriu satisfeito e humilde, disse, simplesmente: "Ser honesto é dever, não virtude." Aliás, ele não abria mão de seus deveres, colocados sempre antes dos seus direitos. Ele tinha princípios morais sólidos. Aos dezesseis anos, quando eu saí de casa para trabalhar em Urubici, distante cerca de 180 km, meu pai me entregou uma cédula de Cr$ 200,00 (dinheiro que foi suficiente para eu tomar um café num bar na manhã seguinte) e me disse: "Dinheiro para te dar eu não tenho, mas vou de dar um conselho, hoje que estás começando a vida sozinho: sê honesto e verdadeiro."

Provavelmente ele sabia o valor do que dizia. Para mim, porém, foi a maior ajuda que alguém pode me dar um dia em minha vida. Até hoje, aos 54 anos, jamais tive que me envergonhar de nada que tivesse feito e jamais tive receio de olhar de frente e enfrentar quem quer que seja. Meu pai, trabalhou muito, talvez 60 anos, antes de se aposentar.Continuou trabalhando em casa, após a aposentadoria, aos 66 anos, um ano mais que o necessário, porque o INPS, depois de uma vida de suas contribuições, descobriu que Hercílio não era com H, mas com E, e o advogado contratado para fazer a correção e que recebeu seus honorários antecipadamente, só deu entrada no processo um ano depois e ainda porque foi pressionado veementemente.

Carpinteiro de profissão e tanoeiro desde a infância, quando fazia barris para estocar a produção de vinho que fazia em Pinheiral, terra de boa uva, começou a fazer pequenos barris, nos fundos de casa. Logo fez muitos fregueses e ficou bastante conhecido como tanoeiro, não por essa palavras, mas como "fazedor de barris". Tinha muito orgulho de seu trabalho, que aperfeiçoou a cada dia que passava. Foi até entrevistado por um pequeno jornal do Vale do Rio Tijucas. Ficou todo faceiro com isso.

E foi esta a primeira coisa que me contou,quando fui chamado às pressas para vê-lo internado no hospital de Nova Trento, em razão de ameaça de infarto e onde sequer foi-lhe ministrado um comprimido ou feito um eletrocardiograma e onde, também, tivemos que lutar durante doze horas até convencer uma estúpida freira a deixá-lo partir para outro Hospital, onde havia recursos, sem antes assinar um determinado papel para o INPS e que não estava disponível naquele domingo. Incapaz de cometer qualquer ação que o desabonasse, obrigou-nos a esperar o maldito papel. Levamo-lo para o Hospital Regional de São José, na Grande Florianópolis.

O atendimento foi solícito, pronto, mas, infelizmente, ineficaz. Era o dia 4 de julho de 1988. A reportagem foi publicada na semana seguinte, como homenagem póstuma. Foi depois disso que comecei a sentir em toda a sua plenitude, o quanto meu pai era importante para mim e quanta necessidade eu tinha dele. Alguns assuntos que eu só falava com ele, não serão mais tratados. Foi como uma taça partida, na qual não se beberá jamais.

Escureceu-se a minha vida, pela falta da luz que ele era. Esta é a minha homenagem no Dia dos Pais de 1997.


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