TRISTE NATAL
O mundo estava vindo abaixo. Nada dava certo. A mentira passara a ser a verdade. A dignidade teimava em deixar Elicar.
A solidão, no meio de pessoas que o condenavam injustamente. A incompreensão, sempre presente.
Mas o que mais atormentava a sua alma era mesmo a solidão, a carência mais absoluta de afeto.
Elicar se sentia tão carente, mas tão carente que se um cachorro lhe lambesse a mão ele o abraçaria e o beijaria. Deitaria com ele na beira da estrada poeirenta e o afagaria.
Sua mulher se transformara num posto de cobranças. Desde o amanhecer, até a saída para o trabalho, desde a volta do trabalho até o mergulho na escuridão da noite, uma só coisa recebia de sua mulher: cobrança; material cobrança...
Elicar fugia. Ficava horas e horas sentado dentro do carro, olhando para o mar, ou para as luzes distantes.
Gostava de ir até o Morro das Pedras e ficar escutando as ondas bater no costão. Aquilo aliviava-lhe a alma, desarmava-lhe o espírito, coordenava seus pensamentos, mas não supria a falta de afeto.
Quando voltava para casa, todos já estavam dormindo. Sabia que todos haviam adormecido pensando que Elicar estava fazendo festa em algum lugar; gastando o rico dinheirinho com alguma vagabunda qualquer.
Era véspera de Natal.
Elicar chegou em casa, vindo do trabalho, aí pela uma hora da tarde, o bagageiro do carro cheio de refrigerantes, champanhe, vinho, algumas cervejas, chocolates, frutas, um peru para a ceia de Natal, presentes para a mulher e para os filhos.
Estacionou na garagem.
A casa estava silenciosa.
Chamou. Andou pela casa. Ninguém.
Telefonou para seu cunhado:
– Por acaso, você sabe notícias do meu pessoal?
- Foram para São Joaquim. Não sabias?
– Não. Obrigado.
Elicar desligou.
Ficou um instante parado diante do telefone, sem nada na mente.
Nenhum pensamento de revolta.
Nenhum desejo de vingança.
Como um autônomo voltou ao carro e deu partida.
Rodou pela cidade e depois se dirigiu à via expressa em direção à BR 101.
Favelas na beira da pista.
Elicar parou no acostamento.
Vinha vindo uma mulher de aparência pobre.
– A senhora é pobre? – perguntou Elicar.
– Sou.
– Aqui tenho algumas coisas para a senhora – disse Elicar desembarcando e abrindo o compartimento de bagagem. – A senhora pode levar tudo. É para o seu Natal.
A mulher avançou com ferocidade sobre as sacolas, juntou-as todas, uma a uma e foi enfiando as alças nas mãos, até a última. Ficou arcada com o peso e saiu encosta abaixo cambaleando, rumo ao seu casebre. Não disse uma única palavra.
Elicar embarcou no carro e retornou para casa, onde passou o Natal chorando.