SEU
TÊ
Rainoldo Martins tinha o apelido de Tê. Nem ele mesmo sabia por que.
Seu Tê era um homem simpático, bonachão, trabalhador, entendido de serraria e compadre de meio mundo em Urubici e adjacências.
Homem de poucas letras, mas de muito tino, tinha uma voz extremamente grossa e trabalhava há décadas na Cia Florestal de Santa Catarina, do Governador Celso Ramos. Era pessoa de confiança e nunca a desmereceu. Era encarregado de treze serrarias que a companhia possuía nos municípios de São Joaquim, Urubici, Bom Retiro e Bom Jardim da Serra.
A bordo de uma pick-up Jeep 1950, de tração nas quatro rodas, pintada de amarelo laranja, percorria continuamente todas as serrarias, desde a serraria Nossa Senhora das Graças na Mantiqueira em Bom Jardim, até a serraria Santa Catarina, em Negrinha, em Bom Retiro.
Resolvia todos os problemas com os empreiteiros. Ensinava a afiar as serras da "cheia", regulava quadros de centro, classificava madeira de pinho, contava histórias e comia comadres.
Numa certa ocasião, aí por volta de 1962, foi visitar a serraria São José no Cruzeiro e depois a Nossa Senhora das Graças em Mantiqueira. Terminado o serviço, tratou de voltar para Urubici, distante 50 quilômetros, onde morava. Mas choveu repentinamente, a estrada ficou muito lisa e seu Tê escureceu quando ainda estava perto de Cruzeiro, no Município de São Joaquim.
Em Cruzeiro, havia um hotelzinho, construído de madeira de pinho que possuía diversos quartos munidos de confortáveis camas com colchões de palha de milho e cobertas de penas. Faz muito frio lá.
O hotel era conhecido como Hotel do Baduca e todo mundo se hospedava nele, pois as estradas eram de muito difícil tráfego naquela época.
Os quartos, cada um com duas camas eram divididos com tábuas de pinho e deixavam passar todo e qualquer ruído que se fizesse em qualquer um deles.
Seu Tê e seu companheiro de trabalho, funcionário do Escritório da Companhia, depois de jantarem, foram para a cama. Cada um deitou na sua e tratou de dormir, já que não havia sequer luz elétrica naquela região, naqueles tempos.
Acontece que durante o jantar, todos viram um casal novinho que se hospedara no hotel. A mocinha era bonitinha. O rapaz era meio desajeitado. Os dois tinham ficado o tempo todo cochichando e dando risadinhas.
– Eh!... Quem cochicha o rabo espicha – falou seu Tê com aquela voz grossa entre desaprovativo e divertido.
Pois bem, seu Tê já estava há tempo tentando conciliar o sono, quando no quarto ao lado começou a ouvir o barulho da cama balançando, dos gemidos da mocinha e do mocinho. E aquilo foi se alongando pela noite afora. A cama balança que balança. A mocinha, geme que geme... e nada.
E seu Tê agoniado.
E "dê-le" barulho e gemido.
Já fazia mais de hora que aquela agonia não acabava, até que seu Tê não agüentou mais e gritou com sua inconfundível voz grossa:
- Ôh! Moço, se você não dá jeito, me diz que eu vou aí e dou!
Durante todo o resto da noite, foi aquela algazarra e o casal barulhento não havia se levantado até as 9 horas da manhã, quando o último hóspede saiu da pousada.